"A diferença entre a vida e a arte é que a arte é mais suportável." Bukowski

segunda-feira, 14 de março de 2011

O cara do ponto de ônibus

  Me lembro de vê-lo  todos os dias no mesmo local e horário. Depois disso, passei a me levantar na hora certa para que eu tivesse tempo de vê-lo antes de ir pro trabalho. Meu trajeto era o mesmo, eu estava lá às seis e vinte da manhã esperando o horário certo para chegar ao meu destino sem atraso. Ele sempre elegante e pontual, trocávamos olhares quando nos víamos e nem sempre eu ou ele partia antes. Quando ele partia antes de mim eu o via entrar naquele mesmo ônibus, o de sempre, no horário correto e não tirava-lhe os olhos antes que fosse para parte traseira, que dificultava muito a minha visão. No início me retribuía os olhares, parecia-me incomodado. Pois eu o encarava e o fazia para que me retribuísse um olhar. Ficávamos entre uma distância segura, para não querer demonstrar algum tipo de interesse ou por ventura não começar uma conversa com a desculpa de lhe perguntar as horas, ou se haveria passado 'tal' ônibus. Só conhecia o cheiro dos seus cabelos lavados recentemente e o perfume que usava. Nunca ouvi sua voz nem ele conhecia a minha. Eu o olhava com uma vontade imensa de fixar meus olhos nos dele. "Eu me apaixonei pelo cara do ponto de ônibus", pensei. Isso não me parecia bom, principalmente por não saber onde morava, seu nome e idade, e o que gostava de fazer. Eu o via todos os dias com aquele mesmo uniforme e cheiro, mas por algum motivo eu nunca consegui ler ou prestar atenção no nome que estampava o bolso de sua camisa ao lado esquerdo do peito, onde havia uma caneta prateada. Nós usávamos uniforme, eu usava o do colégio e ele o de alguma empresa em que trabalhava. Quando eu partia antes dele, imaginava que tivesse perdido seu horário, ou acordasse tarde. Mas eram esses atrasos que ele cometia que me faziam conseguir olhar para ele quando eu subia no ônibus antes dos outros  passageiros, e encontrasse um lugar vago ao lado da janela que pudesse vê-lo enquanto o ônibus partia. Do lado de fora ele me olhava na janela do ônibus, eu já não sentia mais seu olhar incomodado. Talvez tivesse perdido a vergonha ou simplesmente eu o interessava. 
  Depois das férias não o vi mais. Passaram-se dois, três dias da semana e eu não pude mais vê-lo. Passei quase um ano o vendo todos os dias no mesmo horário e lugar e nunca tive a coragem de lhe perguntar o nome ou se pudesse me informar as horas, ou se o tal ônibus havia passado ou se gostaria de tomar um café. O cara do ponto de ônibus, que eu havia trocado tantos olhares mas nem uma mísera palavra se quer, havia partido. Talvez mudou-se de cidade, de emprego, de vida. 




Teria escrito mais se o cara do ponto de ônibus não tivesse sumido antes de nos conhecermos.






Louise Martins
   

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bonito o seu texto Louise. Saudade sua...

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